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Reflexão: Dírio Ramos
Cristãos de esquerda e a cooperação em África

Dírio Ramos é engenheiro electrotécnico e hospitalar, membro da Associação Mil por Abril (Milicianos
do 25 de Abril), e católico.

Já escrevi diversos artigos de opinião sobre ser comunista e cristão — porque não? Moderado, mas comunista. Escrevi sobre o bispo Resende, o primeiro Bispo da Beira, sobre o bispo Vieira Pinto, de Nampula, que a PIDE obrigou a regressar a Portugal antes da Revolução Democrática de 25 de Abril.

 

Participei na Guerra Colonial fazendo a “guerra à guerra por dentro.” Apoiei o MFA e fui às bases da FRELIMO fazer a Paz. Escrevi um artigo sobre o 7 de setembro em Mueda, sobre a Paz ou a Guerra.

 

Sou português de nascimento. De coração vietnamita, por defender o povo contra o colonialismo francês e americano. Admiro o Chile pela vitória democrática da Esquerda Plural e da luta contra a ditadura de Pinochet.

 

Certo dia, quando eu era responsável pela Manutenção dos Hospitais Civis de Lisboa, aparece no meu gabinete o franciscano frei Paulo acompanhado por um negro que vim a saber tratar-se do arcebispo D. Tomé, a solicitar a minha colaboração no projecto da recuperação do Hospital de Marrere em Nampula. Aceitei o convite. Entretanto fui almoçar com o pe. Agostinho Jardim Gonçalves — que tinha sido Assistente Internacional do movimento operário católico — para me aconselhar sobre a situação. Perguntei-lhe como me deveria comportar com o bispo D. Tomé, uma vez que era comunista. A resposta foi rápida. “Estás de acordo com o projecto? Queres ajudar na recuperação do Hospital? Não tens a foice e o martelo na testa! Aceita é o teu dever, mas vais ter surpresa agradável.”

 

Durante quatro anos, nas minhas férias ajudei na recuperação do Hospital. Arranjei uma equipa de voluntários arquitectos e engenheiros, fizemos projectos para levar água e electricidade ao Hospital. Conseguimos dinheiro de portugueses, espanhóis e italianos e enviamos essas verbas para serem geridas pelo bispo.

 

Afinal a surpresa era que o bispo D. Tomé tinha sido aluno de Jardim, que a Biblioteca da Arquidiocese era um espetáculo com livros religiosos, mas ao mesmo tempo de Marx e Lénine, e que o bispo antes do 25 de Abril, ainda padre, tinha ajudado alguns moçambicanos a se juntarem à FRELIMO.

 

Disse a D. Tomé que embora fosse das tropas portuguesas e tendo estado na frente de combate, tinha muitos amigos guerrilheiros e citei o nome deles. D. Tomé pega no telefone, liga para o engenheiro electrotécnico Klint da FRELIMO, católico activo e uma semana depois encontrei-me com esse “inimigo” no Maputo.

 

Os trabalhos continuaram durante alguns anos. Realizei um almoço de reencontro entre o Bispo e o Padre seu professor. Entretanto, regressei à minha terra, a ilha da Madeira.

 

Os contactos ficaram: o bispo vive em Roma há seis anos, com problemas de saúde, mas este ano arranjei tempo e fraternidade para estarmos juntos e abraçar Tomé.

 

Uma curiosidade como nota final. Quando estava em Moçambique conheci o padre Jacob, da Boa Nova, que vivia em Nampula. Ele era uma espécie de Arquiteto, Engenheiro, Eletricista, etc… Certo dia, disse-me em segredo que tinha sido colega do Padre Edgar que era da Madeira. Quase chorava quando lhe disse que era amigo de Edgar e que também era da CDU.  Abraçamo-nos com muita energia.

 

Ser cristão de facto é ser coerente e lutar pela defesa dos mais fracos, para que estes deixem de ser fracos. Ser cristão é lutar pela Paz contra a Guerra. Ser cristão é defender o diálogo entre igrejas e defender os povos contra todos os tipos de exploração.

 

Por respeitar o pe. Jardim, homem de luta e liberdade, nada escrevi sobre um homem e sacerdote com quem tenho uma profunda relação de amizade e fraternidade.

30.11.2022

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A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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