Reflexão: José António Pinto “Chalana”
Os imigrantes e o sistema capitalista
José António Pinto “Chalana” é Técnico Superior de Serviço Social.
Aprecio imenso os filmes do Realizador inglês KEN LOACH. Porque é um génio, nunca se vendeu à indústria do cinema, não tem medo das palavras, põe o dedo na ferida e, sobretudo, porque nunca deixou de denunciar a podridão das políticas sociais do sistema capitalista e sempre aproveitou o cinema de combate politico para despertar consciências e denunciar o atropelo dos direitos humanos.
Os seus filmes são verdadeiras lições de sociologia que me ajudam a compreender o comportamento dos meus utentes. Como Técnico de Serviço Social ouço muitas vezes os meus utentes dizerem: - Eu não presto, não tive sorte, não vale a pena lutar, Deus quer assim, sempre houve ricos e pobres, os partidos são todos iguais. A interiorização destas ideias cria desânimo, fechamento, desistência e assim a transformação da vida torna-se mais difícil.
Quando se é pobre a luta é só pela sobrevivência. Uma das minhas maiores mágoas é ainda não ter conseguido criar um movimento de protesto e reivindicação com pobres. Uma estrutura organizada, politizada, consciente dos seus direitos. Os meus utentes não querem lutar, não estão disponíveis, não acreditam, não vêm benefício direto e imediato em participar nessa organização. Não se envolvem, não se querem responsabilizar, não se querem comprometer com qualquer tipo de luta. Estão de tal modo aflitos na luta pela sobrevivência que não há espaço nem disponibilidade para mais nada.
Relativamente ao fenómeno da imigração, ele tem muitas dimensões e variáveis de análise. Desde sempre, esta mobilidade de território e fronteiras foi estimulada pela necessidade e anseio de uma vida melhor. Mas atualmente a imigração está muito associada a causas da desordem internacional. O principal motivo é a necessidade de fugir. Fugir da guerra, da fome, dos efeitos das catástrofes naturais, das ditaduras politicas que não respeitam direitos humanos, dos conflitos religiosos, do perigo permanente e da insegurança que caracteriza o quotidiano do Brasil (a maior comunidade residente em Portugal). Ora, dito isto, a primeira nota sobre a forma como se resolve este problema da imigração é criar condições, politicas, económicas, sociais e culturais para que essas pessoas não tenham necessidade de sair do seu berço de nascimento. “Ninguém foge do sítio onde é feliz”, assim diz a canção de Pedro Abrunhosa.
Criar condições rápidas e urgentes para que os imigrantes possam regressar à sua pátria, uma pátria de progresso, paz e justiça social. Se isto não acontecer os fluxos migratórios vão continuar a disparar e a quem serve este fluxo de mão-de-obra? Ao grande mercado de trabalho capitalista que é global. Serve para maximizar lucros de empresas e negócio, para aproveitar a fragilidade física e emocional destes imigrantes, para lhes impor a realização de tarefas profissionais que ninguém quer realizar. E aqui, há várias contradições. O sistema capitalista renova-se, recompõe-se, fortifica-se, à medida que vai vencendo essas contradições.
Querem fechar as fronteiras para não entrarem mais imigrantes, mas ao mesmo tempo defendem uma economia aberta e global. É contraditório. Castigam e penalizam os trabalhadores ilegais sem papéis de autorização de residência mas não penalizam os patrões que lhes dão emprego. É contraditório. Dizem que a economia precisa de quadros competentes e qualificados, mas aceitam trabalhadores desqualificados (a maioria dos imigrantes têm baixa escolaridade). É contraditório. Dizem que estes imigrantes têm integração profissional provisória e temporária porque depois regressam à sua terra de origem. Mentira, estes empregadores utilizam esta mão-de-obra em condições desumanas durante todo o ano e de forma permanente. É contraditório. Os imigrantes quando abandonam o seu ninho cultural e rompem fronteiras do país de origem sofrem muito. A imigração é um caminho de perdas consecutivas. Perdem laços familiares e de amigos, perdem sociabilidade construída nos territórios de partida, perdem o sentimento de pertença, perdem hábitos, costumes, tradições, raízes. Perdem a sua identidade. Muitas vezes são perseguidos, discriminados, agredidos violentamente. Mas a maior violência é a violência simbólica, que significa:- Se queres ter aceitação nesta comunidade tens de trabalhar, de aceitar as condições indignas do empregador, de obedecer, de perceber que na sociedade capitalista de consumo o que é valorizado é o que está no mercado.Fora do mercado nada tem valor.
A relação social é construída em função do lucro que tu possas dar. Se não dás lucro o teu lugar na estrutura social é zero, nunca serás respeitado, nunca conseguirás reputação positiva ou prestígio social. Ora, associado à existência de trabalho como forma de integração social esse trabalho tem de ter condições e salários dignos. E precisamos também de perceber que o fenómeno da imigração é complexo, multidimensional e multidisciplinar. Que o processo de acolhimento e de integração tem de ser acompanhado de habitação, acesso a equipamentos e serviços, como rede de transportes públicos, escolas, equipamentos culturais, e envolvimento e participação em estruturas, cívicas e políticas desses emigrantes na comunidade.
Sou Técnico de Serviço Social há 27 anos numa das mais importantes freguesias do Porto. Fico triste por verificar que as políticas públicas não respondem às necessidades das pessoas. Continuo a acreditar que quando os trabalhadores se unem com consciência de classe têm um poder enorme. E continuo a considerar que só somos felizes se contribuirmos para tornar felizes os outros, os que podem menos, os que precisam de nós.
Viver pode ser uma coisa maravilhosa, mas tem de ser uma vida maravilhosa para todos “crentes e não crentes, independentemente do lugar ou origem de nascimento. Também se sabe que num sistema capitalista e de classes o bem-estar e a felicidade existencial têm de ser conquistados pelas nossas mãos, com força, solidariedade e resistência. Temos, por isso, que fazer da luta permanente o nosso modo de vida mais dignificante.
27.05.2024
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